Opinião
pública/opinião publicada
Há
muitos e muitos meses sem escrever aqui, arrisco-me em falar um grande sociólogo,
a partir da leitura de sua obra: Michel Maffesoli. Um desafio nada fácil e, com
certeza, a seguir, uma narrativa rasa do tanto que esse pesquisador contribuir
com a área de ciências humanas.
Durante
meu período de mestrado, tive contato com a Sociologia Compreensiva, método
postulado por Maffesoli. A gente meio que se apaixonou, mas né? Meu projeto
dissertativo estava em curso e meu status
era de um relacionamento sério com Roland Barthes. Não nos separamos,
obviamente, mas estamos hoje, em um relacionamento aberto. Muito embora eu
continue sendo uma viúva de Barthes. Enfim, divagações a parte, vamos ao que
interessa.
Durante
o XII Seminário Internacional de Comunicação, assisti um GT sobre Sociologia da
Imagem e Imaginários. Foi então que resolvi sair daquela sala e passar na
livraria para levar o tio Maffesa para casa. O único exemplar de obras do autor
disponível na então vendedora de livros em que fui, era “Apocalipse. Opinião
Pública e Opinião Publicada”, de 2010, pela Editora Sulina. Então, ele veio
comigo.
Um
livro curto de páginas, mas intenso em seu conteúdo, é capitulado em Opinião
pública/opinião publicada; Tribos pós-modernas e; Rumo à guerra civil?
Na
primeira parte, Opinião pública/opinião publicada, a qual escriturarei, o autor
faz uma volta ao passado, nos lembrando de que estamos contaminados pelas ideias
vindas dos séculos XVIII e XIX, onde engolimos um conformismo lógico, favorecendo
a preguiça intelectual, resultando em uma inquisição produzida pelas épocas, em
nome do fechamento dogmático e a cerca que limita a ampliação do imaginário. Compreendemos
então que nesse livro, o que Maffesoli chama de publicada é uma opinião que
pretende ser uma ciência evidente para domesticar as consciências. Já a pública
é carregada de humanidade e não tem ideia de sua fragilidade.
Desta
forma, na era pós-moderna nos cabe compreender, aceitar e ser parte de uma
então opinião pública, por ser ela algo mais próximo de um real. Já, tudo
aquilo que é publicado, martela, ainda, ideias convencionais e reforça uma
espiral do silêncio. E, de quebra, traz ainda consigo o off da informação. Ou seja, a negação do pronunciamento seja de uma
marca, de um indivíduo ou de um governo. E, como a opinião publicada está por
todas as esferas midiáticas, é preciso retomar alguns valores para que então
resgatemos o vinculo social. Será a partir deste que formaremos ligações na
sociedade pós-moderna. Essa retomada, na opinião de Maffesoli, só tem sido
oportunizada a partir da eclosão das crises, tão comuns na era em rede. Estamos
tão mais expostos, pouco entendendo que os riscos são bem maiores. Para retomarmos
a credibilidade, pensando pelo lado das marcas, é preciso que resgatemos os
valores que deram origem a nossa organização.
Maffesoli
explica que a crise acontece quando não podemos mais dizer, quando chegamos a
um ponto sem consciência valorativa e, portanto, não representamos confiança a
partir de vínculos sociais. Como um relacionamento amoroso, os elementos que
sustentavam essa relação desabaram. Essa conjuntura se dá após uma aceleração
demasiada, em uma emissão de energia tão intensificada de individualidade, o
que no caso das organizações é o lucro, que o corpo atinge o seu apogeu e se desmancha.
Organizações que sustentam por muitos anos, e em alguns casos poucos meses,
produtos estrela, dentro de sua Matriz Swot, é um exemplo. Vemos que as
análises de pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças passaram a ser
segundo plano e, consequentemente, os sujeitos que consomem essa marca. Ao deixar
de lado esses indivíduos, os laços realmente se rompem ao primeiro sinal de
fraqueza. E, na rede, tomam proporções alarmantes, que riscam não apenas a
identidade do produto, como a imagem da marca.
Abrangendo
ainda o que Maffesoli nos fala da civilização como tesouro cultural, e que, ao
retomarmos as fontes, os fundamentos seremos capazes de inverter a
representação em cultura, entendemos a necessidade de criar ambientes de convívio
e estabelecimento de vínculos que façam o estar-junto fundamental. Aqui, dentro
de uma sociedade, podemos visualizar as organizações como representações
sociais, de uma civilização composta por sujeitos dentro e fora da instituição.
Assim, as empresas seriam pequenas civilizações, compostas por pessoas. E essas
estão dentro e fora, e, em alguns casos, em períodos compatíveis. No caso de
uma crise, o sujeito interno da marca, também é um representante da civilização
externa. Ele é dual. E, portanto, é preciso em um momento crítico, repensarmos
o posicionamento valorativo, não apenas organizacional, como comportamental. Percebemos
que, o Apocalipse do qual Maffesoli trata é o da revelação das coisas, de uma
opinião publicada aproximada de uma opinião pública. Em situações de conflito,
há a oportunidade de intuirmos o que não era visto entre e pelos sujeitos, o
que em um mundo conectado, otimiza zonas conflituosas e referencias negativas,
bem como positivas. E, esse resgate aos fundamentos é a chance de, por meio de
uma opinião publicada próxima à pública, responder a civilização interna e
externa, por meio de ações que possibilitem o estar-junto.
Esse
Apocalipse eclode, uma vez que os sinais estão enraizados na terra, trazidos
pela mobilidade e desejo de instantaneidade dos indivíduos. São essas
características da sociedade pós-moderna e não podem ser negadas. É preciso
fazer o resgate do passado, proposto por Maffesoli, e também por Barthes, Mário
Vargas Llosa e Edgar Morin, para poder pensar o para frente. O resultado, nos
aclara por meio da observação de uma germinação e floração de um espírito
romântico, passível da criação e manutenção do estar-junto, a partir de uma
adaptação social. Esse romântico pode ser expresso em sensibilidade ecológica e
gerar um pertencimento civilizatório para o bem ou para o mal. E essa
germinação e seu entendimento, são realizados a partir da compreensão do
sentido literal, que remete à beleza das coisas, como foi durante os anos 50, a
partir da emergência do design. O design foi capaz de preservar o objeto
cotidiano, enquanto funcionalidade, perpetuando sua existência a partir das
significações que foi gerando nos momentos de existência desde seu explosivo
aparecimento. As provas estão nos museus que mostram a sacralidade própria da
sociedade. Dentro desses locais vemos pedaços de mundo que beneficiam a aura da
civilização a partir do tratamento respeitoso que tiveram.
Estamos
em uma era desenvolvimentista que precisa pensar o envolvimentismo, onde é necessário
aproveitar a terra, como os antepassados, para não violentá-la a qualquer
custo, como temos feito. Na pós-modernidade, a ética do estético está em gestação,
como esteve no passado do design, para estabelecer vínculos a partir do
compartilhamento de emoções e belezas, que são provocadas. As marcas são
capazes de fazer isso, não só pelo seu respeito social, mas pelas narrativas
carregadas de valores humanos. Uma forma de estético. É preciso que, desta
forma, possamos construir um ethos, a
partir de usos e costumes originados em lugar preciso, recompondo uma ética,
que ainda vem carregada de imoralidade. Mas esse é o vínculo capaz de construir
estéticas não só de imagens, mas de relacionamentos, para compartilhar emoções
e, ainda, paixões coletivas. A pós-modernidade é isso, do individual para o
coletivo.
E,
nesse emocional, nesse passional, nos interliga aos ambientes específicos de
uma Tribo, como diz Maffesoli. A partir do climatológico, compreenderemos as
especificidades não só das Tribos as quais pertencemos, mas as demais que
compõem a cultura pós-moderna, como as religiosas, as musicais, sexuais e tantas
outras. É uma mudança de pele, de uma época. Ao mudar de pele, é retomada a viscosidade
de uma superfície estética, mas que em seu interior abriga dinamismo, prazer teimosia,
irritabilidade e um desejo surpreendente de viver e de ser uma opinião pública considerada.
Essas
Tribos descolam-se da cultura-cristã para comporem narrativas e situações sobre
o que realmente acreditam. Imposições não geram mais resultados. A dinâmica
proposta para a sociedade do século XIX, onde a coletividade perfeita era
aquela que não deixava dúvidas, onde as evidências não eram evidentes, está com
os dias contados. Por isso, a importância do estar-junto, do criar
relacionamentos entre as Tribos, de as marcas estarem em consonância com a Tribo
que é sua fã. As identidades carecem compreender o que Maffesoli postula como
societal, que é outra maneira do estar-junto, que traz o imaginário, o onírico,
o lúdico para o lugar principal dessa cena. É perceber a sociabilidade específica
da expressão das Tribos e ir para esse encontro trazendo a vitalidade
irrepreensível e resultando na orgia. Uma orgia de paixões, importância das
emoções, onde a força dos sonhos será o cimento coletivo da civilização.
Outra
lógica está em prática, que diz respeito à força do social, das Tribos, perante
os protagonismos isolacionistas do passado. E se, a ela liga-se como um fã de
tal marca, é porque a emoção está presente. Levemos em conta, ainda que a união
de um indivíduo a uma Tribo já é uma maneira de pertencer. É imperioso apreender
o mundano desses sujeitos, dentro e fora das organizações, partícipes de várias
Tribos, percebendo a substituição do produtivismo moderno para a atmosfera
lúdica dos indivíduos que compõem a civilização e que são produtores das micro-civilizações,
aqui exemplificadas pelas organizações. Essas últimas que são uma configuração
de representação social e cultural do todo, onde a marca é uma identidade
interna e externa que perde seu espaço temporal e territorial, na concepção
pós-moderna.
Nesse
apanhado do primeiro capítulo, que traz não só a proposta do resgate valorativo
do passado, mas o faz, compreendemos que as marcas estão postas mas
indispostas, ainda, em termos culturais de abertura, para compreender os
anseios daqueles sujeitos que integram sua produtividade mas querem, e podem,
ser partícipes da construção do lúdico e do romântico. As narrativas
organizacionais ainda tem a tendência de levar para fora valores não aplicados dentro
de sua micro-civilização. Porém, a geração pós-moderna está dentro e fora das empresas.
E há uma nova reflexão a ser feita desse novo comportamento humano, dessas novas
urgências, necessidades e papéis sociais. É preciso praticar um re-design
civilizatório.