terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Apocalipse

Opinião pública/opinião publicada


Há muitos e muitos meses sem escrever aqui, arrisco-me em falar um grande sociólogo, a partir da leitura de sua obra: Michel Maffesoli. Um desafio nada fácil e, com certeza, a seguir, uma narrativa rasa do tanto que esse pesquisador contribuir com a área de ciências humanas.

Durante meu período de mestrado, tive contato com a Sociologia Compreensiva, método postulado por Maffesoli. A gente meio que se apaixonou, mas né? Meu projeto dissertativo estava em curso e meu status era de um relacionamento sério com Roland Barthes. Não nos separamos, obviamente, mas estamos hoje, em um relacionamento aberto. Muito embora eu continue sendo uma viúva de Barthes. Enfim, divagações a parte, vamos ao que interessa.

Durante o XII Seminário Internacional de Comunicação, assisti um GT sobre Sociologia da Imagem e Imaginários. Foi então que resolvi sair daquela sala e passar na livraria para levar o tio Maffesa para casa. O único exemplar de obras do autor disponível na então vendedora de livros em que fui, era “Apocalipse. Opinião Pública e Opinião Publicada”, de 2010, pela Editora Sulina. Então, ele veio comigo.

Um livro curto de páginas, mas intenso em seu conteúdo, é capitulado em Opinião pública/opinião publicada; Tribos pós-modernas e; Rumo à guerra civil?

Na primeira parte, Opinião pública/opinião publicada, a qual escriturarei, o autor faz uma volta ao passado, nos lembrando de que estamos contaminados pelas ideias vindas dos séculos XVIII e XIX, onde engolimos um conformismo lógico, favorecendo a preguiça intelectual, resultando em uma inquisição produzida pelas épocas, em nome do fechamento dogmático e a cerca que limita a ampliação do imaginário. Compreendemos então que nesse livro, o que Maffesoli chama de publicada é uma opinião que pretende ser uma ciência evidente para domesticar as consciências. Já a pública é carregada de humanidade e não tem ideia de sua fragilidade.

Desta forma, na era pós-moderna nos cabe compreender, aceitar e ser parte de uma então opinião pública, por ser ela algo mais próximo de um real. Já, tudo aquilo que é publicado, martela, ainda, ideias convencionais e reforça uma espiral do silêncio. E, de quebra, traz ainda consigo o off da informação. Ou seja, a negação do pronunciamento seja de uma marca, de um indivíduo ou de um governo. E, como a opinião publicada está por todas as esferas midiáticas, é preciso retomar alguns valores para que então resgatemos o vinculo social. Será a partir deste que formaremos ligações na sociedade pós-moderna. Essa retomada, na opinião de Maffesoli, só tem sido oportunizada a partir da eclosão das crises, tão comuns na era em rede. Estamos tão mais expostos, pouco entendendo que os riscos são bem maiores. Para retomarmos a credibilidade, pensando pelo lado das marcas, é preciso que resgatemos os valores que deram origem a nossa organização.

Maffesoli explica que a crise acontece quando não podemos mais dizer, quando chegamos a um ponto sem consciência valorativa e, portanto, não representamos confiança a partir de vínculos sociais. Como um relacionamento amoroso, os elementos que sustentavam essa relação desabaram. Essa conjuntura se dá após uma aceleração demasiada, em uma emissão de energia tão intensificada de individualidade, o que no caso das organizações é o lucro, que o corpo atinge o seu apogeu e se desmancha. Organizações que sustentam por muitos anos, e em alguns casos poucos meses, produtos estrela, dentro de sua Matriz Swot, é um exemplo. Vemos que as análises de pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças passaram a ser segundo plano e, consequentemente, os sujeitos que consomem essa marca. Ao deixar de lado esses indivíduos, os laços realmente se rompem ao primeiro sinal de fraqueza. E, na rede, tomam proporções alarmantes, que riscam não apenas a identidade do produto, como a imagem da marca.

Abrangendo ainda o que Maffesoli nos fala da civilização como tesouro cultural, e que, ao retomarmos as fontes, os fundamentos seremos capazes de inverter a representação em cultura, entendemos a necessidade de criar ambientes de convívio e estabelecimento de vínculos que façam o estar-junto fundamental. Aqui, dentro de uma sociedade, podemos visualizar as organizações como representações sociais, de uma civilização composta por sujeitos dentro e fora da instituição. Assim, as empresas seriam pequenas civilizações, compostas por pessoas. E essas estão dentro e fora, e, em alguns casos, em períodos compatíveis. No caso de uma crise, o sujeito interno da marca, também é um representante da civilização externa. Ele é dual. E, portanto, é preciso em um momento crítico, repensarmos o posicionamento valorativo, não apenas organizacional, como comportamental. Percebemos que, o Apocalipse do qual Maffesoli trata é o da revelação das coisas, de uma opinião publicada aproximada de uma opinião pública. Em situações de conflito, há a oportunidade de intuirmos o que não era visto entre e pelos sujeitos, o que em um mundo conectado, otimiza zonas conflituosas e referencias negativas, bem como positivas. E, esse resgate aos fundamentos é a chance de, por meio de uma opinião publicada próxima à pública, responder a civilização interna e externa, por meio de ações que possibilitem o estar-junto.
Esse Apocalipse eclode, uma vez que os sinais estão enraizados na terra, trazidos pela mobilidade e desejo de instantaneidade dos indivíduos. São essas características da sociedade pós-moderna e não podem ser negadas. É preciso fazer o resgate do passado, proposto por Maffesoli, e também por Barthes, Mário Vargas Llosa e Edgar Morin, para poder pensar o para frente. O resultado, nos aclara por meio da observação de uma germinação e floração de um espírito romântico, passível da criação e manutenção do estar-junto, a partir de uma adaptação social. Esse romântico pode ser expresso em sensibilidade ecológica e gerar um pertencimento civilizatório para o bem ou para o mal. E essa germinação e seu entendimento, são realizados a partir da compreensão do sentido literal, que remete à beleza das coisas, como foi durante os anos 50, a partir da emergência do design. O design foi capaz de preservar o objeto cotidiano, enquanto funcionalidade, perpetuando sua existência a partir das significações que foi gerando nos momentos de existência desde seu explosivo aparecimento. As provas estão nos museus que mostram a sacralidade própria da sociedade. Dentro desses locais vemos pedaços de mundo que beneficiam a aura da civilização a partir do tratamento respeitoso que tiveram.

Estamos em uma era desenvolvimentista que precisa pensar o envolvimentismo, onde é necessário aproveitar a terra, como os antepassados, para não violentá-la a qualquer custo, como temos feito. Na pós-modernidade, a ética do estético está em gestação, como esteve no passado do design, para estabelecer vínculos a partir do compartilhamento de emoções e belezas, que são provocadas. As marcas são capazes de fazer isso, não só pelo seu respeito social, mas pelas narrativas carregadas de valores humanos. Uma forma de estético. É preciso que, desta forma, possamos construir um ethos, a partir de usos e costumes originados em lugar preciso, recompondo uma ética, que ainda vem carregada de imoralidade. Mas esse é o vínculo capaz de construir estéticas não só de imagens, mas de relacionamentos, para compartilhar emoções e, ainda, paixões coletivas. A pós-modernidade é isso, do individual para o coletivo.

E, nesse emocional, nesse passional, nos interliga aos ambientes específicos de uma Tribo, como diz Maffesoli. A partir do climatológico, compreenderemos as especificidades não só das Tribos as quais pertencemos, mas as demais que compõem a cultura pós-moderna, como as religiosas, as musicais, sexuais e tantas outras. É uma mudança de pele, de uma época. Ao mudar de pele, é retomada a viscosidade de uma superfície estética, mas que em seu interior abriga dinamismo, prazer teimosia, irritabilidade e um desejo surpreendente de viver e de ser uma opinião pública considerada.

Essas Tribos descolam-se da cultura-cristã para comporem narrativas e situações sobre o que realmente acreditam. Imposições não geram mais resultados. A dinâmica proposta para a sociedade do século XIX, onde a coletividade perfeita era aquela que não deixava dúvidas, onde as evidências não eram evidentes, está com os dias contados. Por isso, a importância do estar-junto, do criar relacionamentos entre as Tribos, de as marcas estarem em consonância com a Tribo que é sua fã. As identidades carecem compreender o que Maffesoli postula como societal, que é outra maneira do estar-junto, que traz o imaginário, o onírico, o lúdico para o lugar principal dessa cena. É perceber a sociabilidade específica da expressão das Tribos e ir para esse encontro trazendo a vitalidade irrepreensível e resultando na orgia. Uma orgia de paixões, importância das emoções, onde a força dos sonhos será o cimento coletivo da civilização.

Outra lógica está em prática, que diz respeito à força do social, das Tribos, perante os protagonismos isolacionistas do passado. E se, a ela liga-se como um fã de tal marca, é porque a emoção está presente. Levemos em conta, ainda que a união de um indivíduo a uma Tribo já é uma maneira de pertencer. É imperioso apreender o mundano desses sujeitos, dentro e fora das organizações, partícipes de várias Tribos, percebendo a substituição do produtivismo moderno para a atmosfera lúdica dos indivíduos que compõem a civilização e que são produtores das micro-civilizações, aqui exemplificadas pelas organizações. Essas últimas que são uma configuração de representação social e cultural do todo, onde a marca é uma identidade interna e externa que perde seu espaço temporal e territorial, na concepção pós-moderna.


Nesse apanhado do primeiro capítulo, que traz não só a proposta do resgate valorativo do passado, mas o faz, compreendemos que as marcas estão postas mas indispostas, ainda, em termos culturais de abertura, para compreender os anseios daqueles sujeitos que integram sua produtividade mas querem, e podem, ser partícipes da construção do lúdico e do romântico. As narrativas organizacionais ainda tem a tendência de levar para fora valores não aplicados dentro de sua micro-civilização. Porém, a geração pós-moderna está dentro e fora das empresas. E há uma nova reflexão a ser feita desse novo comportamento humano, dessas novas urgências, necessidades e papéis sociais. É preciso praticar um re-design civilizatório. 





2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Texto nada menos que sensacional!
    Desses que a gente faz - ahá - e tudo fica melhor. Viva!
    Aplaudindo... fui.

    Fabrício Procópio

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