As empresas tradicionais de comunicação estão fazendo algum esforço para usar os recursos das mídias digitais como ferramenta de relacionamento, conquista e fidelização dos leitores mais jovens. O portal G1, que reúne as mídias do grupo Globo, por exemplo, oferece um aplicativo que permite ao usuário observar o que seus amigos estão lendo no próprio portal ou acompanhar as notícias mais lidas pelas pessoas com as quais se relaciona na rede social virtual.
O aplicativo, disponível no portal desde a segunda semana de março, pode ser instalado e desinstalado com relativa facilidade e o usuário pode também configurá-lo para fazer um histórico de suas próprias leituras. Trata-se de recurso bastante útil para quem precisa acompanhar a evolução de temas específicos, por exemplo.
A Folha de S. Paulo usa intensivamente o Twitter, tem sua página no Facebook e estimula a iniciativa dos leitores através das seções "Meu olhar" e "Vi na web", meio escondidas no "Painel do leitor", mas não se percebe o aproveitamento dessas histórias nas reportagens diárias do jornal.
Embora seja um dos pioneiros da internet no Brasil, o jornal paulista não demonstra possuir uma estratégia inovadora para o relacionamento nas redes sociais digitais.
O Estado de S. Paulo renovou seu projeto para as mídias digitais no fim de 2011, integrando o jornal e suas emissoras de rádio com o serviço de webTV e, assim como a Folha, estimula a interatividade dos leitores com pontos específicos de seu conteúdo, como, por exemplo, os blogueiros. Para investidores e o mercado corporativo, a empresa segue oferecendo os serviços especializados da Agência Estado.
Signo da internet
Em todas essas iniciativas, percebe-se claramente uma aproximação cautelosa da imprensa tradicional com o ambiente das redes sociais.
Tal cuidado se justifica, uma vez que, trabalhando com temas que podem gerar controvérsias, os jornais correm o risco de ver depreciado seu principal valor, que é o de filtrar as informações e determinar o que é notícia.
Se todos podem, teoricamente, interferir no conteúdo noticioso ou opinativo disponibilizado no ambiente cibernético, o que impediria a ação de centenas ou milhares de especialistas de desconstruir o discurso jornalístico tradicional?
No entanto, talvez o principal risco seja exatamente o de resistir à principal mudança representada pelas novas tecnologias - a quebra do paradigma de filtros centralizados de informações.
Sabe-se há muito que o uso de tecnologias altera o modo como o ser humano raciocina. Experimentos recentes de psicólogos com o uso de neuroimagens revelam diferenças na configuração e no funcionamento dos cérebros entre pessoas alfabetizadas e iletrados ou analfabetos. Nas pessoas que aprenderam a ler somente na idade adulta, o lobo occipital processa informações mais lentamente do que nas pessoas que foram alfabetizadas no período adequado da infância.
Ainda não são conhecidos estudos científicos definitivos sobre essas mudanças nos indivíduos que nasceram sob o signo da internet (que estão entrando agora na idade adulta) versus os que cresceram lendo jornais ou assistindo passivamente a televisão, mas suspeita-se que as transformações serão ainda mais radicais.
Narrativa arcaica
Portanto, o desafio das empresas tradicionais de comunicação não é apenas uma questão de aprender a usar as novas tecnologias que criam sociedades virtuais. Elas precisam redefinir alguns conceitos como o dos campos sociais e dos vínculos sociais, abandonando os paradigmas da sociedade de massas e da indústria cultural, e procurar entender como esse indivíduo imerso num ambiente onde tudo é informação passará a reconhecer o valor da informação jornalística.
Talvez seja o caso de se imaginar se a expressão "informação jornalística" ainda terá validade num ambiente em que a disponibilidade de informações passa a se vincular diretamente ao processo de aquisição de saberes.
Outra questão é a do discurso jornalístico propriamente dito.
Baseado na estrutura em pirâmide, com um lead, ou cabeça de texto, é bastante provável que o texto jornalístico esteja precisando ser renovado e que os jornalistas necessitem aprender ou criar novas formas de contar suas histórias.
A mudança de características da leitura, com o usuário das novas tecnologias habituado a reconhecer o conteúdo de múltiplos estímulos ao mesmo tempo, pode estar indicando que a narrativa da imprensa tradicional vai progressivamente se caracterizando como uma narrativa arcaica.
Se a cultura resulta de processos de comunicação em contextos complexos, é bem possível que a imprensa tradicional esteja se transformando em uma instituição contracultural.
Luciano Martins Costa é jornalista e escritor. Foi repórter da 'Folha de S. Paulo', da revista 'Veja'; editor-executivo e colunista político de 'O Estado de S. Paulo', além de consultor de estratégia de comunicação para reposicionamento de empresas e gestão de crise. É autor do livro 'O Mal Estar na Globalização' (Ed. A Girafa).
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